terça-feira, 20 de setembro de 2016

Verdade, perspectivas diferentes, linguagem e epistemologia

"Tudo o que ouvimos é uma opinião, não um fato. Tudo o que vemos é uma perspectiva, não a verdade"
-Marcus Aurelius
Será que isso é só a opinião de Marcus Aurelius ou é um fato? 

Quando você nega a realidade, ela quebra sua cara. Quando você não tem dinheiro pra pagar a conta, não importa o quanto acredite que tem dinheiro, a realidade te soca no estomago. Se você é magro, mas pensa que é gordo, você esta errado. Se você pensa que a realidade é relativa de acordo com a opinião, a pergunta que se mantem é se essa é a realidade objetiva.

Perspectivas diferentes, verdade, linguagem e epistemologia


Perspectivas diferentes provam o relativismo?


A afirmação “pessoas tem suas verdades” é uma afirmação objetiva da verdade. Então, a resposta simples é: Essa é a sua verdade? Ou ela é objetiva? Não importa o quanto se tente argumentar a favor do relativismo, ele será auto-refutável. “É verdade pra você, mas não pra mim”, é verdade apenas pra você ou é universal?

Opiniões podem estar erradas


Em geral, todos os argumentos pra defender o relativismo são sempre falhos e confundem epistemologia (como conhecemos algo) com ontologia (a realidade do ser). Recentemente, uma pessoa me enviou o seguinte exemplo como "prova" do relativismo: Suponha que haja uma arvore e duas pessoas. Uma delas enxerga as folhas verdes e a outra vermelhas. Portanto, uma tem uma verdade e a outra tem outra. Agora, você não tem que pensar muito pra ver o erro que ela cometeu. Se as folhas forem verdes, então mesmo que todo mundo veja elas vermelhas, elas serão verdes. Simplesmente todo mundo estaria errado. Similarmente, se uma pessoa as enxerga vermelhas e outra verdes, as duas não podem estar certas sobre a realidade das folhas. A lei da não-contradição impede que ambas estejam certas.
Um outro exemplo dado como "prova" foi o da intolerância a lactose. Suponha que uma pessoa tem intolerância a lactose e outra não. Para aquele que tem intolerância, é verdade que o leite faz mal. Mas, para aquele que não tem, é verdade que não faz mal. Então, relativismo provado! Não?
Esse pensamento esta tão errado que eu nem sei como formular o erro em palavras direito. Mas tentemos. O erro principal desse exemplo é pressupor que verdade dependa de como a pessoa se sente e o que pode ou não fazer. Porém, para ambas as pessoas, a verdade é que o leite faz mal pra quem tem intolerância à lactose e que não faz mal para quem não tem intolerância. Tanto pra um quanto pra outro ainda assim a verdade é a mesma. Para o intolerante à lactose ainda é verdade que o leite não faz mal para o tolerante, da mesma forma em que para o tolerante é verdade que o leite faz mal para o intolerante. 
Se esse exemplo fosse válido, poderíamos muito bem levar aos extremos. Se a verdade dependesse do que é "pra fulano", isso implicaria que uma pessoa ignorante não poderia nem ao menos conhecer verdades sobre si mesmo. Usando o exemplo acima, se depende do intolerante ter a "sua verdade" de que é intolerante, então se ele nunca tivesse o conhecimento de que é intolerante à lactose ele nunca iria ter problemas com o leite. Já que, nesse caso, não seria "verdade pra ele" que ele é intolerante. É a realidade que diz se sua crença ou opinião é verdadeira ou falsa. Não sua crença ou opinião que molda o "seu mundo". "Seu mundo" não existe. Você não é Deus. Você simplesmente esta no mundo. Aceite.
Até mesmo no desenho do inicio do post não tem poder algum. Qualquer ilustração para mostrar o relativismo como verdadeiro vai ter uma falha tremenda. Assim como na parábola do elefante e dos cegos, a imagem conta com personagens que veem de diferentes perspectivas. Porém, há mais uma perspectiva que esta correta e tem a verdade: A de quem vê o desenho. Até mesmo o autor sabe a verdade sobre o desenho! Todos nós sabemos que é um desenho que de um lado tem três pontas e do outro tem quatro. Simples.
O ultimo exemplo dado, foi o de gostos com relação a alimentos. Pra mim, chocolate é bom. Pra Zé Goiaba, chocolate é ruim. Então, duas verdades sobre o chocolate ao mesmo tempo! Olha só! O primeiro erro daqui é que chocolate é bom. Fim. Brincadeiras a parte, isso é apenas um erro de linguagem. Quando eu digo que pra mim o chocolate é bom, quero dizer que o chocolate tem um sabor que agrada o meu paladar. A reação química em minhas papilas gustativas me agradam. Esse ja não é o caso pra Zé Goiaba. Um outro problema com esse argumento é que tanto pra mim quanto pra Zé Goiaba, o chocolate não agrada Zé Goiaba. Similarmente, pra ambos é verdade que o chocolate me agrada. A simples verdade é que os alimentos possuem sabores, porem nosso corpo reage diferente a eles.
É óbvio que existem certas coisas que são subjetivas. Mas esses exemplos não funcionam quando falamos de como a realidade é. 
E é por exemplos tolos como estes não funcionarem que a maioria dos relativistas apenas relativizam a religião e moralidade. No caso da moralidade, até há certa justificativa de haverem diferentes culturas no mundo (não que seja válida). Porém, essas culturas pressupõem certos valores universais como o respeito. É desrespeitoso não seguir as normas de um lugar especifico? Até mesmo em tribos de canibais o principio de amar ao próximo é válido. A questão é que, no caso, eles não consideram o pessoas de fora da tribo como o próximo. Lhes falta esse conhecimento. É uma aplicação errada desse principio. Utilizando outro exemplo, Hitler também sabia que matar humanos é errado. Por isso ele teve que desumanizar os judeus.
Se a moralidade dependesse da sociedade, isso significaria que movimentos de minorias seriam moralmente errados. Em um país conservador, onde a maioria é contra o casamento homoafetivo, seria moralmente errado uma minoria tentar mudar as regras. Do mesmo modo, grandes lideres que mudaram o mundo, como Martin Luther King e Jesus Cristo, seriam pessoas imorais. Desse modo não se pode assumir que a moral seja definida pela sociedade ou pela maioria. A moral não muda, ela apenas melhora. E, se melhora, então há um padrão absoluto. É o conhecimento que muda, não a moral.
Já no caso da religião é simplesmente um desejo interno dos relativistas. Não há justificativa boa. Apenas tentam aplicar o principio que aplicam à moral à religião. Só que essa aplicação é totalmente invalida. Por que religiões são visões de mundo. É logicamente impossível que todas as visões de mundo sejam verdadeiras. Então, aqueles que creem que nem tudo pode ser relativizado, mas relativizam a religião (ou, no caso, visões de mundo diferentes) sem justificativa estão cometendo a falácia do táxi. Eles vão com um principio onde lhes convêm, mas quando não lhes convêm mais, eles dispensam, como se fosse um táxi. (Podemos atualizar pra falácia do uber, não?) 
"Ah, mas são tantas visões de mundo, como saber qual é verdadeira?" Irrelevante pra essa questão. Não é porque pessoas creem em diferentes coisas que todas são verdadeiras. Novamente, é uma confusão entre epistemologia e ontologia. 

“Mas não há verdade absoluta!”


Não importa a justificativa pra essa conclusão, ela em si é auto refutável. Falar a verdade é fazer uma afirmação que condiz com a realidade. Se você diz que não há verdades absolutas, esta fazendo uma afirmação ontológica da realidade. Quer dizer, se a afirmação “não existem verdades absolutas” não for uma verdade absoluta, então ela é falsa. (Dã) Por ser uma afirmação objetiva sobre a realidade, ela não pode estar isenta de ser verdadeira ou falsa.

“Mas a verdade depende da linguagem!”


Antes de haver qualquer ser humano no universo, era verdade que o universo existia. Mesmo que ninguém estivesse ali pra falar. “Falar a verdade” depende de linguagem, sim. Mas algo ser real e verdadeiro não. A única coisa que o ser humano fez foi ter a capacidade de apontar pra fatos e criar mentiras. Quando ele aponta pra fatos esta dizendo a verdade. Quando ele cria mentiras esta fazendo uma afirmação falsa sobre o que acontece, aconteceu e existe na realidade. “Ah, mas não existem fatos!” Isso é um fato?
A realidade existe. Mesmo se você duvidar da realidade, algo tem que ser real pra duvidar. Se a sua opinião descreve propriedades de algo real, então ela é verdadeira. Por exemplo, se você disser que o prédio em que o autor deste texto mora tem predominância da cor azul, você estará certo. Pois a propriedade “predominância da cor azul” esta tanto na sua opinião quanto na realidade. Portanto, ela é verdadeira. Se você diz que o Islã é verdadeiro, mas na realidade Jesus Cristo é Deus, então sua opinião é falsa e o Cristão tem a verdade. 

"A linguagem não pode transmitir a verdade objetiva!"


O Desconstrutivista vai dizer que a linguagem não pode descrever a realidade de forma adequada. Dessa forma, não temos a habilidade de saber a verdade. Se isso fosse verdade, deveríamos nos questionar por que devemos ler o autor que defende essa ideia se nós não podemos confiar no que esta escrito, já que palavras não carregam a verdade em si. Como diz Frank Turek:

[Palavras] estão ligadas à cultura do autor, e apenas existem para ganhar poder sobre mim? Parece que a única exceção para a filosofia do desconstrutivismo são os próprios filósofos desconstrutivistas. Se nós simplesmente aplicarmos seus próprios métodos em sua própria filosofia (e livros) então vamos descobrir que ela é auto contraditória e então falsa (CrossExamined, Does Truth Exist?, http://crossexamined.org/does-truth-exist/#toggle-id-2)

Esse é um problema grande. Porque mostra que até mesmo a defesa do relativista se mostra auto-refutável. O filosofo William Lane Craig também argumenta:

De fato, não é a posição [...] auto-referencialmente incoerente? Ele afirma, “a verdade objetiva não pode ser comunicada pela linguagem”. É essa uma verdade objetiva? Se não for, então não é verdade que a verdade objetiva não pode ser comunicada pela linguagem, e nós podemos parar de nos preocupar. Mas se é objetivamente verdadeira, então a própria afirmação se contradiz, já que diz que nenhuma verdade objetiva pode ser comunicada pela linguagem. Portanto, a posição do seu amigo é incoerente. (Reasonable Faith, Linguagem e Verdade Objetivahttp://www.reasonablefaith.org/portuguese/qa-455#ixzz4JAM22Hfo)

Palavras em culturas diferentes podem carregar o mesmo significado. Para explicar, devemos ver a diferença entre proposição e enunciado. Como Dr. Craig explica:

Enunciado é entidade linguística composta de palavras. Proposição é a informação expressada por enunciado declarativo. Então, por exemplo, “Snow is white” é obviamente um enunciado diferente do enunciado “A neve é branca”. O primeiro tem três palavras; o segundo, quatro, e não têm palavras em comum. Nada obstante, ambos transmitem a mesma informação, isto é, a neve é branca, e, portanto, os dois expressam a mesma proposição. (Reasonable Faith, Existem verdades objetivas sobre Deus?, http://www.reasonablefaith.org/portuguese/existem-verdades-objetivas-sobre-deus)

Então, apesar do enunciado mudar, a proposição é a mesma. Agora, é verdade que existem pessoas com pressupostos diferentes, e que esses pressupostos vão mudar sua forma de entender as palavras. Por exemplo, se você falar “ovo” pra um idoso normal e depois pra um menino de 12 anos imaturo, eles podem entender coisas diferentes. Porem, a verdade da afirmação depende daquele que fala, não do que escuta. Se eu digo “quero comer ovos”, o significado é que quero literalmente comer ovos, sejam fritos ou cozidos. Não importa como a criança de 12 anos com sua mente zuero tenha entendido.

Seria a auto-refutação do relativismo apenas um jogo de palavras?


Não, isso é apenas estratégia de gente que não quer admitir que sua posição é falsa. A partir do momento em que você diz "não há verdades absolutas", esta fazendo uma afirmação sobre a realidade. Agora, se essa afirmação não faz uma descrição de como a realidade é, então ela é falsa. Porém, se ela faz uma descrição de como a realidade é, então ela é verdadeira. Porém, se ela for verdadeira, então sua proposição é uma verdade absoluta. Dessa forma, ela mesma se anula. Se estiver certa, é falsa. Se estiver errada, é falsa.

A verdade muda com o tempo?


Se isso fosse verdade, a questão seria se essa verdade muda com o tempo. Pessoas no passado acreditavam que a terra era plana, e agora cremos que ela é esférica. (Apesar de não ser uma esfera perfeita.) A terra era plana e agora é esférica? Não, as pessoas do passado simplesmente estavam erradas. (Dã)
De fato, existem verdades eternas. As Leis da Lógica (as quais a linguagem esta submetida também) são eternas. Elas apenas foram descobertas, mas sempre existiram. Você pode falar “A Realidade existe” em qualquer lugar e em qualquer momento, a proposição estará correta. Anytime, anywhere. Mesmo se a realidade mudar ou as coisas dentro da realidade mudarem. "A realidade existe" sempre será verdade.
Suponhamos, porém, que a palavra "realidade" obtenha um sentido diferente daqui a cem anos. Suponhamos que, enquanto que "realidade" tem o significado que conhecemos agora, daqui a cem anos ela venha a significar "tomate". Então, "a realidade existe" daqui a cem anos não será o mesmo que agora, mas significará "o tomate existe". Então, a verdade mudou? Simplesmente não. O sentido por trás da afirmação "a realidade existe" de agora sempre será o mesmo. O que mudaria seria a forma a como nos referimos a esse sentido. A forma de apontar algo real pode mudar, mas o algo real não.
Além disso, dizer que a verdade muda com o tempo é raciocínio circular. Pois de primeira exclui a existência de Deus. Porém, se o Deus judaico-cristão existe, então Ele sempre existiu, e sua existência é verdadeira até mesmo se todos os seres vivos do universo não crerem n’Ele. A verdade não depende de pessoas. Observe que se o Deus judaico-cristão existir, Ele é um Ser pessoal. Logo, mesmo se a verdade dependesse da linguagem, Ele ainda assim seria um ser capaz de usá-la. Como Ser pensante, Ele mesmo teria uma linguagem própria (o que eu vou chamar de Linguagem Absoluta) que nunca muda, pois é de um Ser eterno. 
Um outro problema pra quem diz que a verdade muda de região pra região e de época em época, é a confusão entre epistemologia com ontologia. Epistemologia tem a ver com o descobrir ou conhecer algo, ontologia tem a ver com a realidade do ser. Se algo é verdade, isso independe de como as pessoas descobrem isso. O descobrir não é o ser.

Agradecimento


*Agradeço ao amigo Eduardo Feltraco pelas revisões e correções.

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