segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Teorema da Eternidade Quântica

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[Esse texto foi escrito por Wall em resposta a Sean Carroll, que usou o Teorema da Eternidade Quântica em seu debate (transcrição aqui) com William Lane Craig. Eu achei interessante (apesar de ter entendido pouco) e resolvi traduzir.]

Tendo apontado que o teorema BGV pressupõe a existência de tempo-espaço clássico, Carroll vai a diante e da alguma evidencia de que o universo não teve um inicio, baseado na mecânica quântica (MQ):

“Se você precisa invocar um teorema, porque é isso o que você gostaria de fazer ao invés de construir um modelo, eu sugeriria o teorema da eternidade quântica. Se você tiver um universo que obedece as regras convencionais da mecânica quântica, que tenha energia não zero, e as leis da física individuais não mudam com o tempo, esse universo é necessariamente eterno. O parâmetro do tempo nas equações de Schrodinger, dizendo a você como o universo evoluiu, vai de menos infinito ao infinito. Agora, isso pode não ser a resposta definitiva ao mundo real porque você pode sempre violar as afirmações do teorema, mas porque ele usa a mecânica quântica seriamente é um ponto de partida muito melhor para a analise da história do universo. Mas de novo, eu vou manter dizendo que o que importa são os modelos, não princípios abstratos.”

Primeiro, alguma informação de fundo. Na MQ, há um negocio chamado função de onda Ψ. Esse é o negocio que nos diz qual a probabilidade de qualquer coisa acontecer, a qualquer momento. Isso envolve especificar um numero complexo z=a+bi para cada configuração possível do universo. Números complexos são bidimensionais, então eles tem tanto um valor absoluto (ou magnitude) |z|=√a2+b2 quanto um período (ou direção) no plano bidimensional. O quadrado de um valor absoluto |z|² da a você a probabilidade de ficar nesse estado, enquanto o período (ou direção) do numero complexo é uma peça extra estranha adicional de informação que é especial a MQ (Ah um problema conceitual profundo sobre o que a função da onda “realmente” significa, mas não vamos entrar nisso aqui)
Na MQ ordinária, a função de onda do universo muda com o tempo. Se você quer trabalhar com como ele muda com o tempo, você precisa saber a formula total da energia do universo, escrita como uma função de posições e momentos de todas as partículas da área. Assim que você souber o que H é, você então pode usar a equação de Schodinger:

HΨ=i(d/dt)Ψ.


Essa equação te diz que seu estado Ψ é em um estado com energia especifica HΨ=EΨ (isso se chama um energia eigenstate), então seu período apenas gira e gira, a um raio proporcional com a energia E dividido pela constante Planck . Isso é meio chato, já que isso significa que nenhuma das probabilidades muda de verdade. Por outro lado, se você tem um estado onde a energia tem incerteza quântica (significando que é na verdade uma superposição de estados com energia definitiva) então coisas mais interessantes podem acontecer por causa da interferência entre as energias diferentes eigenstate.
Então, se você sabe o que é H (que especifica as dinâmicas de sua teoria) e você sabe a função de onda Ψ em um determinado tempo t1, e se você assume que essa teoria é valida em todos os momentos do tempo, então você pode trabalhar com o que Ψ é em determinado momento do tempo, passado ou futuro. E em particular, você sabe o que seria no momento t2, que é arbitrariamente anterior a t1. Então – o argumento de Carroll – o universo não pode ter tido um inicio.
Isso é tudo o que o Teorema da Eternidade Quântica diz. É um pouco bombástico Carroll até mesmo se referir a isso como um “teorema’, já que é apenas uma reafirmação de um dos princípios mais básicos da MQ. Como Carroll disse em sua reflexão pós-debate:

“Por conveniência eu citei meu próprio trabalho como referencia, apesar de ter certeza que não sou o primeiro a descobrir isso; é um resultado trivial quando você pensa sobre isso”

Você ainda pode imaginar que Deus miraculosamente criou o universo em algum momento do tempo t = 0, e que as leis da física apenas se aplicam depois desse momento do tempo. Então a física como é não teria nada a dizer sobre o verdadeiro Inicio, mas apenas o que aconteceu depois disso. Não há contradição lógica em dizer isso, mas isso pode fazer algumas pessoas se sentirem inconfortáveis se – até onde podemos dizer da Ciência – o universo tem que ter durado para sempre. De alguma forma, essa era a posição Cristã antes da Ciência Moderna, quando o estudo dos céus pareciam indicar que o universo apenas iria se manter indo e indo, como um relógio que nunca precisa dar corda. Naquela época, Cristãos na maioria acreditavam que havia um inicio por razões filosóficas, ou porque a é dito na Bíblia. Nós agora sabemos que o Universo se desenvolveu de uma forma simples, e que ele tem existido em sua forma atual observável por aproximadamente 13.8 bilhões de anos. O caso cientifico para um Inicio certamente é bem mais conclusivo agora do que era antes, já que naquela época não havia muita coisa cientifica!
Mas, se o TEQ de Carroll se aplicar, então não importa quantos fogos de artifício houve no “Big Bang”, isso poderia apenas ter sido o universo passando de uma forma para outra. Então ele esta certo?
Provavelmente não. O próprio Carroll mostra uma falha importante em seu raciocínio, apesar de ele fazer isso de uma forma cripta que apenas outro físico como eu [Aron] sabe o que isso significa. Vamos ver de novo:

“Se você tiver um universo que obedece as regras convencionais da mecânica quântica, que tenha energia não zero, e as leis da física individuais não mudam com o tempo, esse universo é necessariamente eterno.”

O que Carroll não diz durante o debate, é que há boas razões para se crer que a energia do universo é zero (se for definido).
É meio complicado fazer precisamente o conceito de “energia” na Relatividade Geral. A razão é que a energia é definida com respeito a como as coisas mudam com o tempo, e tempo é um conceito incerto na RG. Não há apenas uma noção de tempo, mas na verdade qualquer escolha de coordenada “t” que você escolher é igualmente valido. Se não há conceito bem definido de tempo, então não há conceito bem definido de energia, então o TEQ não se aplica.
Então, quando alguém se refere a energia na RG, eles precisam de algum tipo de situação especial que os permite invocar esse conceito. Aqui estão alguns casos que pessoas falam normalmente:

  1. Se nós dermos zoom em um ponto, nós podemos adotar uma imagem referente a inércia local particular e definir a energia de um objeto usando o sistema de coordenada local. Mas a Relatividade Especial nos diz que há varias boas noções de tempo, e mesmo esses são bons apenas aos arredores de um único ponto, então isso não funciona para o TEQ.
  2. Se você tem um espaço-tempo que é aproximadamente imutável com respeito a algumas coordenadas especiais de tempo “t”, você pode definir a energia do objeto com respeito a essa coordenada de tempo, enquanto sua área gravitacional é pequena. Isso é chamado de energia matadora (Killing energy), mas isso não é aplicável em cosmologia, já que o universo não esta nem próximo de ser estático (ele esta expandindo).
  3. Se você tiver um sistema de objetos que por eles mesmos ficam dentro de um espaço infinito de outra forma vazia, então você pode usar a noção de tempo definida por um relógio que esta muito longe do sistema. Isso é chamado de energia ADM, e ela te diz a massa gravitacional efetiva do sistema como medida de muito longe. Mas isso também não se aplica a configurações cosmológicas, já que até onde sabemos o universo não é um aglomerado de matéria em um espaço vazio.
  4. Finalmente, se você tem um sistema fechado (um sem fronteiras) então uma noção inequivocada de energia associada com a gravitação Hamiltoniana H. No entanto, ela tem exatamente zero para todos os estados físicos permitidos: H = 0!

A grande maioria de procuradores na gravidade quântica – com, aparentemente, exceção de Carroll – acreditam que a mesma coisa é provável de ser verdade na gravidade quântica. Isso é, ao invés da equação de Schodinger, as dinâmicas da teoria são feiras na equação de Wheeler-DeWitt:

HΨ=0.

Já que H nos diz como Ψ muda com o tempo, as equações de Wheeler-DeWitt nos diz que o estado quântico não muda com o tempo! Isso é estranho, já que tudo o que nós sabemos das coisas mudam com o tempo.
Isso significa que o Zeno estava certo e o tempo é uma ilusão? Bom, nós temos que ser bem cuidadosos com as interpretações aqui. A verdadeira razão do porque isso acontece em teorias gravitacionais é porque a escolha da coordenada de espaço-tempo é arbitraria – você é livre para escolher o seus pontos no espaço-tempo com qualquer coordenada (x, y, z, t) que quiser: não há uma maneira “melhor” de fazer isso. (Apesar de eu ter me focado na Relatividade Geral, físicos esperam problemas similares em quase todas as teorias de gravidade decentes. Enquanto isso não reintroduz a noção de tempo absoluto Newtoniano, necessariamente haverá a “restrição Hamiltoniana” dizendo que apenas estados fisicamente permitidos de um universo fechado são aqueles em que H = 0.)
Então, quando dizemos que a função de onde não muda com o tempo, o que isso realmente significa é que a escolhe da coordenada do tempo é arbitraria. “Tempo” precisa ser medido relativo com um relógio físico. Não há coordenada absoluta “t” relativa com movimento de todas as coisas. Então, eu acho que eu diria nesse caso, que o TEQ “se aplica”, mas de uma forma totalmente trivial. E quando você descobre seu significado real, isso não nos diz nada sobre se havia ou não qualquer tempo antes do Big Bang. Então o formalismo da MQ ordinária não é aplicável.
Resumindo, em uma cosmologia fechada, a energia é zero, e em uma cosmologia aberta ela pode nem ser definida. Então o apelo de Carroll ao TEQ provavelmente não faz sentido.
Como eu disse a Carroll nos comentários de suas reflexões pós-debate:

“Sobre o TEQ, na minha cabeça a crença mais conservativa sobre a gravidade quântica é que ela é - assim como na RG – governada por restrições Hamiltonianas ao invés de uma Hamiltoniana ordinária (assim como na MQ padrão). Dessa forma, não é obvio se o TEQ se aplica.
O que mais, já que não há ‘tempo absoluto’ na RG, há muitas maneiras diferentes, inequivalentes de evoluir o espaço pelo tempo. Como Wheeler colocou, tempo é muito livre [Wall usa a palavra “fingered”, mas eu não sei o que significa]. Esse conceito de evolução do tempo vai ser muito súbita para quantificar, e esta longe de ser obvio (para mim) que é proibido para o tempo para começar ou terminar. De qualquer forma, isso é gravidade quântica, então nenhum de nós realmente sabe o que estamos falando!”

E ele respondeu:

“Aron-  Esse é certamente um ponto de vista respeitável. É basicamente escolher a opção de que a energia é zero, o que é definitivamente possível. E se esse se tornar o caso, o tempo certamente pode ‘acabar’, mas em um sentido muito engraçado, já que ‘tempo’ apenar emergiu para começar.
Mas a outra opção, de que a energia não é zero e o tempo ordinário dependente da equação de Schrodinger se aplica, é pelo igualmente menos  razoável (talvez até mais). Nosso exemplo de melhor entendimento da gravidade quântica é de que a correspondência AdS/CFT, onde a teoria é mais cuidadosamente definida em termos da teoria da fronteira Hamiltoniana – em que a evolução convencional de Schrodinger se aplica perfeitamente. Minha suspeita é a de que a gravidade quântica vai funcionar similarmente em outros casos também. Mas como você disse, é gravidade quântica, então nós somos permitidos a especular mas não a agir como se nós soubéssemos a resposta.”

AdS/CFT é uma dualidade famosa entra uma teoria da MQ ordinária (o CFT) e a teoria gravitacional (das cordas) com a constante cosmológica negativa. Nesse caso, há um H bem definido que não é zero, mas isso é porque você tem um monte de matéria em um espaço AdS vazio, então, você pode usar a definição ADM Hamiltoniana. (Essa dualidade nos diz coisas bem interessantes sobre os aspectos gerais da gravidade quântica, mas isso provavelmente não se aplica ao nosso próprio universo, que tem a constante cosmológica positiva, junto com outras considerações)
Relatividade Geral prevê (A) que é H =/= 0 para matéria em um espaço AdS vazio, e (B) é H = 0 para universos fechados. Isso não faz sentido para mim, dizer que porque a teoria das cordas concorda com a RG sobre (A), ele provavelmente discorda com RG sobre (B). Para mim, a coisa mais conservativa a dizer é que ambos os fatos continuam a ser verdade. Alem disso, (B) é bem mais provável de descrever o universo real do que (A) é.A
Apesar disso, nós dois dissemos para cada um de nós, ninguém sabe na verdade com certeza como a teoria de gravidade quântica correta vai ser formulada. Claro, não há nada de errado em Carroll colocar sua opinião pessoal no debate – Eu não posso reclamar sobre isso após Craig colocar as minhas opiniões! Mas eu acho que ele poderia ter sido mais claro de que isso era sua opinião pessoal, e que, dada crenças “convencionais” sobre a gravidade quântica, o TEQ provavelmente não pode ser aplicado em configurações cosmológicas.


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